Entre o Átomo e o Altar


A incessante e quase quixotesca procura de certos devotos, profundamente enraizados na fé, por evidências científicas que sustentem a realidade de milagres e outros fenómenos metafísicos, surge como uma ironia tão marcante que beira o cómico.

No epicentro deste paradoxo específico encontra-se um personagem peculiar; um engenheiro português cujo podcast se aventura numa jornada fútil, tingida de uma certa ironia involuntária; com uma convicção que roça a presunção, ele propõe-se a utilizar a precisão e o rigor do método científico para validar milagres e fenómenos místicos, um empreendimento que, aos olhos críticos e racionais, se assemelha mais a uma farsa mal ensaiada do que a uma investigação séria.

Este engenheiro, na sua quase grotesca ousadia, oferece um espectáculo que oscila entre a pretensão e a ingenuidade. A cada episódio do seu podcast, ele tenta, com um fervor quase risível, pintar o sobrenatural com as cores da ciência, numa tentativa desajeitada que evoca tanto o meu desdém, como o meu fascínio (pelas ciências sociais).

A trajectória deste podcast é como uma dança delicada, porém desarmónica, entre o sagrado e o racional. Cada movimento na tentativa de unir estes dois universos resulta não num passo de mestre, mas numa falha de compasso, evidenciando a dissonância no seu esforço para mesclar o palpável com o transcendente. Onde a lógica e a fé se deveriam complementar, elas acabam por competir uma com a outra, desenhando uma coreografia que, embora intrigante, ressalta a intrínseca divisão entre o tangível e o espiritual.

O asco surge, não tanto pela sua busca, mas pela forma em como ele se agarra a uma narrativa tão evidentemente falhada, ignorando a elegante simplicidade da ciência em favor de um conjunto de ilusões. Na sua ânsia de comprovar o inverificável, ele apresenta-nos uma caricatura de investigação, um teatro de absurdos onde a ciência é distorcida para se encaixar em moldes de fé, uma abordagem que não só subverte a essência do método científico, como também banaliza os mistérios da fé que ele tanto procura autenticar.

É surpreendente, quase caricato, que o mesmo engenheiro defenda a validade dos testemunhos colhidos sobre o Milagre do Sol em Fátima como se fossem joias raras de evidência científica. Testemunhos esses, oriundos de pessoas cuja vida se desenrolava sob a sombra opressiva do regime fascista da época, com uma educação praticamente inexistente, e uma esperança média de vida que mal ultrapassava a adolescência. A convicção com que ele eleva tais relatos ao patamar de provas científicas é, por si só, uma comédia de erros, uma paródia involuntária à metodologia científica.

Como pode ele, com um ar de seriedade quase burlesco, considerar estas narrativas – forjadas na ignorância e no medo, e moldadas pela mão pesada de uma ditadura – como pilares de uma análise científica? É um espectáculo absurdo, onde a lógica é suspensa e a razão é trocada por uma fé cega em histórias que, embora ricas em simbolismo, são paupérrimas em credibilidade científica.

Este senhor transforma a ciência numa mera cortina de fumaça para legitimar o inverosímil.

A ciência, tal como a definida nas mentes luminosas de Isaac Newton e Pierre Simon de Laplace, por exemplo, é um reino regido por leis, hipóteses testáveis e conclusões lógicas, onde a necessidade de um criador é, no mínimo, altamente questionável.

Quando Laplace se encontrou com o imperador Napoleão para discutir a sua monumental obra “Mecânica Celeste“, ele foi questionado sobre a ausência de qualquer menção a Deus. A sua resposta; “Je n’ai pas besoin de cette hypothèse“, ou em Português; “Não precisava dessa hipótese“,
destaca-se não só pela sua elegância simplista, mas também pela sua profundidade.

Esta frase, embora concisa, ecoa através dos séculos, servindo como um subtil lembrete de que a vastidão e a complexidade do universo podem ser compreendidas sem recorrer à noção de um criador divino. Laplace, com esta única frase, encapsulou um universo de pensamento, demonstrando que a busca pela verdade científica leva-nos muitas vezes além das fronteiras do divino.

O nosso engenheiro, desafiando a elegante simplicidade de Laplace, embrenha-se num sinuoso caminho na sua tentativa de validar fenómenos como o “Milagre do Sol” em Fátima.

Na sua jornada, ele confronta-se com um emaranhado de contradições, um labirinto onde ciência e fé colidem e se confundem.

De relembrar que, desde tempos imemoriais, a ciência tem trilhado um caminho muitas vezes em conflicto directo com os dogmas religiosos, e em que cada descoberta representa um passo adiante na libertação do pensamento humano da opressão da superstição, e do autoritarismo clerical.

Com cada traço da sua mão, com cada palavra exalada, ele aspira a redefinir uma narrativa, transformando milagres de meras flores da imaginação, em entidades enraizadas no solo fértil do real e do factual.

Neste contexto, a figura do engenheiro emerge como um símbolo da dissonância entre fé e razão. Ele tenta, com uma mistura de audácia e ingenuidade, provar cientificamente o que pertence ao domínio da crença. Contudo, a ciência, na sua busca pela verdade, baseia-se em dados concretos, replicáveis e examináveis, algo que as narrativas religiosas, por natureza, não podem fornecer, e jamais o farão.

O esforço para usar a ciência como ferramenta para comprovar milagres, é tão absurdo como tentar medir a profundidade do oceano com uma régua de escola primária.

A sua abordagem lembra as meditações de William Ockham, que argumentava que a complexidade deveria ser evitada em favor de explicações mais simples. “Não multipliques entidades além da necessidade,” aconselhava Ockham, que era ele próprio membro do clero.

Este princípio, se aplicado ao nosso engenheiro, sugere uma simplificação; não há necessidade de recorrer à divindade ou ao milagre para explicar o que pode ser entendido através da observação e da razão.

A fé, na sua essência, exige um abandono voluntário do cepticismo, enquanto a ciência, na sua luta pela verdade, demanda um cepticismo incisivo e implacável. No esforço para fundir estes dois mundos tão distintos, falha-se em alcançar uma compreensão mais profunda, seja do divino ou do empírico, e, inadvertidamente, acaba-se por desrespeitar a sacralidade e a integridade de ambos.

A verdadeira ciência exige uma linha demarcatória clara e intransponível diante da fé, uma dedicação inabalável à razão e à evidência, livre das pesadas amarras do dogma religioso. Ao tentar utilizar a ciência para validar crenças religiosas, ele não apenas tropeça num colossal equívoco, mas pratica, também, uma forma de desonestidade intelectual que subestima a complexidade da ciência, e banaliza a profundidade e o verdadeiro significado da fé; acreditar sem evidências.

Assim, conclui-se que a empreitada deste engenheiro, embora tingida de uma certa nobreza de intenção, não é mais que uma dúbia jornada através de um terreno extremamente pantanoso, onde a lógica e a fé se maranham de maneira desajeitada e incongruente, e portanto, altamente pouco satisfatória.

Ele oferece-nos um espectáculo que oscila entre o trágico e o cómico, um memorando vívido de que há esferas do conhecimento e da experiência humana que, por mais que tentemos, jamais podem ser unidas sob o mesmo estandarte.

Este é o canto do cisne de uma tentativa vã, uma balada de aspirações desencontradas, tocada no piano desafinado da realidade, onde as notas da ciência e da fé jamais encontrarão uma harmonia verdadeira.

Ciência e religião são incompatíveis, irreconciliáveis.