A Igreja e a Sombra do Fanatismo


Em terras lusitanas, onde o eco das vozes humanistas ressoa entre as colinas e vales, uma história transatlântica suscita debates fervorosos, comentários odiosos, e uma generalização do conceito de intolerância.

No cerne desta história, figura o Bispo Joseph Strickland, do Texas, cujo destino se entrelaça com as dinâmicas de poder no Vaticano, e as correntes ideológicas que se estendem por oceanos até alcançar as costas portuguesas.

Strickland, um homem de convicções férreas, embrenhado nas tradições mais ultra-conservadoras da Igreja Católica, encontrou-se em rota de colisão com o Papa Francisco, o actual timoneiro do navio papal, que, com mãos firmes, tenta dirigir a Igreja para águas mais progressistas, por mais incrível que possa parecer.

A resistência de Strickland às directrizes pontifícias, e a sua recusa em abdicar do posto que lhe foi confiado, desencadeou uma intervenção drástica do Vaticano; a sua remoção, um acto raro na história da Igreja, e que lançou ondas de controvérsia através do globo.

A saga de Strickland é um espelho onde se reflectem as facções dentro da própria Igreja, um microcosmos das tensões entre tradição e mudança, entre o dogma e o avanço social. Em Portugal, um país onde o catolicismo ainda persiste profundamente na cultura e na consciência colectiva, a história de Strickland ecoa de maneira singular. Ela ressoa nas vozes de alguns membros do clero Português, cujas pregações se entrelaçam com os fios da ultra-ortodoxia e do conservadorismo, desafiando a maré progressista que tenta banhar a Igreja com novas luzes, cores e objectivos.

O cenário português, com as suas peculiaridades e nuances, revela uma faceta interessante desta narrativa global. Aqui, um padre católico, cujo nome se perderá nas sombras da discrição, emerge como um defensor da postura de Strickland. Com uma base de seguidores – 10000 – que ecoam as suas palavras, este padre personifica a resistência a uma Igreja que procura abraçar a diversidade e a inclusão, uma Igreja que tenta reconciliar-se com os ensinamentos de amor e aceitação que deveriam ser o seu núcleo, desde sempre.

Esta figura clerical, ao exaltar Strickland como um bastião da verdadeira fé católica, levanta questões inquietantes sobre o estado actual da Igreja em Portugal e, por extensão, no mundo. As suas palavras, carregadas de intolerância e desdém pela progressão social, são um reflexo de uma mentalidade que vê na mudança não uma oportunidade, mas uma ameaça; não um caminho para a redenção, mas para a ruína e destruição total.

No screenshot desta publicação do padre português, testemunha-se uma admiração quase doente por Strickland. Este bispo, cujo percurso está salpicado por declarações e actos imorais, é elevado a um pedestal de virtude cristã, reflectindo, possivelmente, uma sintonia perturbadora nas crenças e atitudes do próprio padre. Interrogo-me; partilhará ele da mesma recusa em aceitar a gravidade do COVID-19, ou até a recusa em aceitar que existiu uma pandemia real? Será que, na sua suposta superioridade moral, relega também as mulheres a um papel secundário, a meras bestas procriadoras? E, seguindo as pegadas de Strickland, considerará ele que os que divergem da fé merecem um destino cruel no eterno tormento do Inferno? Será que este padre Lusitano também apoia Donald Trump como o mensageiro de Cristo?

As suas publicações desvendam tendências preocupantes; um fascismo latente, uma intolerância visceral contra a comunidade LGBT e transgénero, e uma vontade extrema em subjugar a humanidade. Tal postura não é apenas uma aberração da mensagem de amor e aceitação que a religião professa, mas um sinal alarmante de uma mentalidade arcaica e perigosa que ainda encontra eco em alguns sectores da sociedade. Aliás, como poderão constatar na quantidade de interacções (gostos e partilhas), este senhor padre não está sozinho neste canto moral obscuro.

Este é o catolicismo que emerge em diversos recantos do clero global; uma insanidade latente que se lhes escorre da alma, como um veneno que proclamam ser a derradeira e última verdade. Como poderia ser de outra maneira, no entanto, quando tais noções estão efectivamente incrustadas nos manuscritos e ensinamentos que esta Igreja, este caldeirão de ideias macabras e ultrapassadas, tem fervilhado ao longo dos séculos?

Há um fanatismo insaciável pela sexualidade humana, uma obsessão por uma conformidade fascista, que se prostra obedientemente diante do credo divino e das ordens de um déspota celestial. Esta rendição intelectual, esta submissão ao arcaico, é o mundo que figuras como este padre desejam impor – um retrocesso ao pensamento crítico e à liberdade individual, um anseio por encerrar a humanidade numa cela de dogmas e temores infundados com o intuito de nos controlar.

Aos moderados, aos que se rotulam católicos por convenção ou mera inércia, esta é a realidade que inadvertidamente endossam. Escondem-se atrás de uma cortina de indiferença, nutrindo, através do silêncio, os verdadeiros transgressores morais, estes arautos do retrocesso disfarçados de clérigos que querem que este mundo acabe de vez. São estes os mesmos que se gabam de possuir humanidade, mas que, na verdade, se revelam vazios dela.

Ao não confrontarem este tipo de individuos, ao permitirem que as suas vozes tóxicas reverberem sem oposição, perpetuam uma era de obscurantismo e intolerância, um legado contrário aos verdadeiros ensinamentos de compaixão e empatia

O que o caso de Strickland revela, em última análise, é o eterno embate entre o imutável e o mutável, entre o dogma que se agarra às páginas de um passado horroroso, e a realidade fluida e sempre em transformação do mundo moderno. A decisão do Papa Francisco de remover Strickland não é apenas um acto administrativo; pode ser entendido como um símbolo, um sinal que os tempos estão a mudar, mesmo que alguns se agarrem tenazmente às correntes do passado.

Este artigo não é apenas uma narrativa sobre um bispo removido; é uma meditação sobre o que significa ser fiel a uma fé num mundo que se transforma no sentido contrário. É um convite à reflexão sobre a natureza da crença, da moralidade e do papel da religião num mundo em constante evolução.

Este é, fundamentalmente, um alerta para que, independentemente das crenças religiosas ou filosóficas, enfrentemos com honestidade e determinação as diversas provações que a contemporaneidade nos impõe. É crucial valorizar a riqueza cultural, em vez de nos apegarmos cegamente às tradições religiosas que já não se alinham com os valores progressistas da sociedade secular actual. Devemos procurar uma harmonia entre o respeito à nossa herança, e a abertura para a inovação e mudança, tentando ao mesmo tempo navegar, cuidadosamente, entre as águas do passado e as possibilidades de um futuro sempre incerto.