Na sombra persistente da moralidade tradicional, sob o olhar de uma divindade que tece os fios do destino e do acaso, temos o Decálogo, uma tentativa, gravada em tábuas de pedra, de criar o alfa e o ómega da ética humana.

Se formos a acreditar na lenda, estes princípios foram moldados pelo próprio Autor do Universo, aquele que teria gerado constelações e galáxias com uma mera exalação, ou com um simples aceno. Contudo, eis que nos deparamos com um código moral que não só se demonstra frágil e caprichoso, como também se arrasta por entre as cinzas da inadequação temporal.

A questão que se coloca é; se um Deus orquestrou o cosmos em toda a sua intrincada majestade, não deveria esse mesmo Deus ser capaz de algo mais refinado e intemporal? Ou será que a singeleza destes mandamentos prova, de forma inequívoca, que foram concebidos e moldados por mãos mortais, tingidos com as cores da ignorância e da limitação humana?

Investindo pelas câmaras obscuras do texto considerado sagrado, encontra-se a desconcertante realidade; uma moral que clama ser suprema, mas que se desmorona num labirinto repleto de incongruências. Estranhamente, a entidade que muitos alegam ter orquestrado as leis da física – cada equação um hino à elegância e precisão -, revela uma notória insuficiência ao tentar codificar princípios éticos de magnitude similar.

O que emerge não é um manuscrito de sabedoria universal, mas sim um aglomerado de máximas que são, adivinhe-se, trivialmente humanas, impregnadas pelos resquícios do tribalismo, e revestidas por uma camada ilusória de divindade cósmica.

1. “Amar a Deus sobre todas as coisas.”

A religião em questão inicia o seu catálogo de imperativos com um apelo à lealdade, que é ao mesmo tempo desesperado e mesquinho. Este primeiro mandamento, embora não negue a possibilidade de outros deuses, por mais incrível que pareça, insiste que o “verdadeiro Deus” deve ser o protagonista indiscutível no teatro da divindade. Tal exigência revela um traço deveras humano; um ciúme patológico que se poderia comparar à gravidade, caso esta força fundamental exigisse dos físicos uma devoção exclusiva, ignorando todas as outras interacções fundamentais do universo.

Este mandamento alude ainda à essência do totalitarismo. Exige-se que amemos um ser supremo que, simultaneamente, é temido como o possível arauto do tormento eterno. Um ditador celestial que exige amor sob a ameaça, implícita ou explícita, de uma retribuição literalmente infernal.

O amor sob coação é, na sua essência, um simulacro de afeição, um estado de cativeiro emocional, e longe de ser algo puro e positivo. É, no seu cerne, a essência do totalitarismo.

A alternativa Humanista Secular: “Desenvolve uma ética pessoal baseada na empatia, compreensão e respeito mútuo, não no medo de represálias divinas.”

Se o amor é o cerne de uma vida bem vivida, então ele deve emergir da liberdade de escolha, e não de uma compulsão. A alternativa humanista propõe que cada um de nós é capaz de formar uma ética robusta não por medo do castigo divino, mas através do cultivo de qualidades humanas fundamentais como a empatia, compreensão e respeito mútuo.

Este é um amor mais genuíno, um que nasce da consideração consciente e não de uma obrigação.

O amor que emerge da liberdade e do entendimento tem um valor intrínseco que vai além das imposições de qualquer entidade divina. Ele torna-se, assim, uma expressão da nossa mais pura humanidade, um testemunho do que é possível quando permitimos que a razão e a ética guiem as nossas acções e decisões.

Tal amor não é apenas um antídoto para o medo, mas também uma afirmação da nossa capacidade para o bem, uma prova irrefutável de que não precisamos de um ditador celestial para nos ditar o certo do errado.

O amor não pode ser compulsório; tal noção aniquila o verdadeiro significado e valor do amor. O amor autêntico é um acto de liberdade, uma escolha consciente feita por seres capazes de razão e emoção. É, em última instância, a manifestação mais pura daquilo que nos torna genuinamente humanos.

Este é o amor que deveríamos aspirar a cultivar, um amor desprovido de coação e pleno de significado.

2. “Não farás ídolos nem imagens para adorar”

O segundo mandamento é uma orientação divina que proíbe a criação de ídolos, ao mesmo tempo que se torna, ela própria, um profundo objecto de idolatria suprema. Cria-se um paradoxo inerente que só poderia ter sido orquestrado por uma divindade com um senso de humor particularmente sofisticado, ou doente.

Que ironia reside na proibição de forjar ídolos físicos, quando o autêntico objecto da nossa devoção cega não é talhado em madeira ou pedra, mas sim forjado nas abstrações de crenças e dogmas. O dito ídolo tangível torna-se, assim, num mero subterfúgio, um despiste para a verdadeira idolatria que é a inquestionável adesão a conceitos e decretos divinos.

Esta proibição, ao desviar a nossa atenção dos perigos de uma fé acrítica, também pode ser vista como um reconhecimento subliminar, por parte do que chamamos de divino, da ameaça que a arte e a representação poderiam constituir ao seu domínio. Pois a arte, na sua essência, tem o potencial de desmascarar as falácias e desafiar as noções pré-concebidas da sacralidade, quebrando a falsa invulnerabilidade frequentemente projectada sobre a divindade.

Mas é claro, num mundo onde deuses são construídos e destruídos como castelos de areia ao sabor das marés da razão e da ciência, quem somos nós para desobedecer a um mandamento tão obviamente fraco? Ímpios? Não, seríamos apenas humanos, a tentar abraçar a complexidade da existência sem a necessidade de um espectáculo divino.

A Alternativa Humanista Secular: “Questiona e Explora em Vez de Idolatrar”.

Não confiar cegamente em dogmas ou ideias, sejam eles esculpidos em pedra, escritos em pergaminhos sagrados, ou imortalizados nas tradições culturais. Abraçar o poder do questionamento crítico, e da exploração intelectual como os verdadeiros pilares do entendimento humano. Ademais, reconhecer a expressão artística e criativa como manifestações exclusivamente humanas, merecedoras de um espaço onde possam florescer sem amarras desproporcionadas.

A arte, em todas as suas formas, não deve ser limitada por construções dogmáticas, mas sim valorizada como um meio de investigação da nossa complexa realidade.

3. “Não pronunciarás o nome do Senhor, teu Deus, em vão”

Neste segundo mandamento, defrontamo-nos com uma contradição óbvia. A entidade que alegadamente nos dotou com a capacidade da linguagem, com todo o seu alcance e expressividade, decide subitamente delinear limitações precisas sobre como o seu próprio nome pode ser utilizado.

É uma problemática impressionante, interessante até, quase como se um matemático tivesse inventado um novo tipo de cálculo, apenas para depois proibir a sua aplicação em problemas específicos.

Não só contradiz a noção de um deus omnipotente e amante da liberdade, como também traz à luz uma insegurança digna de um autor vaidoso e caprichoso, desesperado para que as suas palavras não sejam deturpadas ou, pior ainda, usadas em vão.

Tal prescrição não seria mais apropriada para uma monarquia despótica preocupada com a sedição, do que para um deus que se diz universal e eterno? A regra, na sua essência, implica não só um desejo de controlo autocrático sobre o discurso humano, mas também uma fragilidade que parece deslocada quando atribuída ao grandioso arquitecto de galáxias e partículas subatómicas.

A Alternativa Humanista Secular: “Usa a linguagem de forma respeitosa e enriquecedora, mas sem tabus”.

Se a linguagem é o instrumento que nos permite articular pensamentos, partilhar emoções e forjar acordos, então a sua utilização responsável torna-se não apenas uma questão de cortesia, mas também de ética. Em vez de se focar na blasfémia de um nome divino, um princípio verdadeiramente humanista insistiria na consciência e no respeito pelo poder das palavras. Isso implicaria não difamar, não incitar ao ódio e não propagar desinformação.

A verdadeira sacralidade está na forma como as palavras podem construir ou destruir, unir ou separar; e é nessa dimensão que a responsabilidade e o respeito se tornam verdadeiros imperativos morais.

4. “Lembrar-te-ás do dia de sábado, para o santificar”

O terceiro mandamento é uma odisseia poética na temporalidade, mas levanta questões ontológicas sobre a própria natureza de um Deus omnipotente. Reivindicar um dia de descanso para um ser que, por definição, jamais se cansa, é uma contradição tão palpável quanto a ideia de um fotão imóvel no espaço-tempo.

A suposta exigência de um dia de descanso para o divino manifesta-se tanto como uma simplificação antropomórfica de Deus, como uma justificação convenientemente humana para sancionar a inactividade sob o manto da sacralidade.

A Alternativa Humanista Secular: “Dedica um momento, regularmente, ao teu crescimento pessoal, à reflexão profunda e ao fortalecimento de laços comunitários.”

Num mundo em constante aceleração, onde os dias se evaporam nas névoas do imediatismo, encontrar um pequeno oásis de tempo para a introspecção e para a comunidade não é um luxo, mas sim uma necessidade.

A verdadeira importância do tempo reside na capacidade de nos retirarmos da incessante corrente de obrigações, para tocar nas margens da nossa própria essência, e fomentarmos a coesão social.

Não é uma fuga, mas um retorno; não é um luxo, mas uma reafirmação da própria humanidade.

5. “Honra o teu pai e a tua mãe”

O quarto mandamento apresenta uma particularidade bastante reveladora, nomeadamente, a sua focalização na unidade familiar como sendo a única digna. É curioso que o ser responsável por orquestrar as complexas danças da física quântica e da relatividade, tenha tamanha dedicação nos assuntos de uma estrutura social tão limitada.

Em contexto tribal, nas sociedades militarizadas das tribos de Israel da idade do Bronze, tal foco até pode ter tido alguma utilidade prática. Ali, a coesão familiar poderia representar uma questão de sobrevivência.

No entanto, estamos a falar de um Deus que, em teoria, possui atributos de omnisciência, omnipresença e omnipotência. Esse Deus teria o poder de ver além do horizonte do tempo, e de conhecer todas as futuras metamorfoses da moral humana. Assim, qual a razão em insistir nalgo tão localizado quando a sua palavra é supostamente universal, e intemporal?

Honra a dignidade humana, poderia ter sido uma directriz mais abrangente, alinhada com um entendimento mais sofisticado e inclusivo de ética.

A Alternativa Humanista Secular: “Nutre respeito e compaixão por todos os seres humanos, sem que haja necessidade de laços sanguíneos ou contratos sociais como pré-requisitos.”

A alternativa humanista sugere um desvio fundamental em relação à cláusula original. Em vez de reduzir o foco ético à família imediata, amplia-se a lente para incluir toda a humanidade. Isto não é um mero exercício de inclusão, mas sim um reflexo de uma compreensão mais sofisticada e aprimorada da moralidade e da ética.

O respeito e a compaixão, quando universais, tornam-se as pedras angulares de uma sociedade mais justa, mais sólida. Não são valores que devam estar confinados às paredes do lar, ou às limitações do nosso círculo social imediato. Eles tornam-se princípios universais que guiam o nosso comportamento em todas as facetas da vida, abrangendo tanto os estranhos quanto os conhecidos, independentemente da sua origem ou relação connosco.

Esta visão humanista substitui a noção clássica de honrar apenas aqueles que nos deram vida, com uma ética que estende a dignidade e o respeito a todos os seres humanos. Ao fazer isso, rejeita-se a arbitrariedade de laços sanguíneos e contratos sociais como determinantes do nosso dever moral e, em vez disso, abraça-se uma ética da humanidade, uma ética cuja aplicação não conhece fronteiras nem barreiras.

Ao nutrir respeito e compaixão por todos, criamos um mundo mais inclusivo e moralmente coerente, que é fiel não só ao que somos como indivíduos, mas também ao que podemos aspirar tornar-nos como espécie.

Esta é a verdadeira universalidade da ética, uma que supera a prescrição divina para revelar um núcleo moral profundamente humano.

6. “Não matarás”

O quinto mandamento surge como um raro vislumbre de universalidade na série de edictos divinos. No entanto, a sua autoridade moral é prontamente minada pela dissonância flagrante entre o preceito e as acções da própria divindade que o emite. Este é o mesmo Deus que nas sagradas escrituras sanciona massacres, genocídios e castigos impiedosos. Este contraste não só gera uma dissonância ética, como também atira por terra a pretensão de autoridade moral de um Deus que, sendo sanguinário, quer proibir o acto de matar.

E o mandamento é também estranhamente impreciso e inflexível. “Não matarás” não leva em consideração cenários em que a morte pode ser o menor de dois males. O que fazer, por exemplo, quando confrontados com uma figura tirânica que mata indiscriminadamente? Deve-se aplicar o “Não matarás” a um Hitler ou a um Pol Pot? Será moralmente defensável permitir que o intolerável persista, que a violência se perpetue, em nome de um princípio abstracto?

Este mandamento deixa pouco espaço para nuances ou para os dilemas éticos que são inevitáveis na complexidade do mundo real.

A Alternativa Humanista Secular: “Preserva e valoriza a vida sempre que possível, mas reconhece que existem circunstâncias em que a protecção da vida e da dignidade humana pode exigir acções difíceis e moralmente complexas.”

A alternativa humanista aqui proposta representa um avanço significativo na compreensão moral, em contraste com a inflexibilidade dogmática do original. Enquanto o mandamento tradicional se afigura como um imperativo categórico, a visão humanista apresenta uma ética que é sensível ao contexto, uma ética que reconhece a complexidade moral da existência humana. As nuances.

Ao dizer-se; “preservar e valorizar a vida sempre que possível” estabelece-se a protecção da vida como um valor primordial, mas faz-se uma concessão crucial ao acrescentar que “existem circunstâncias em que a protecção da vida e da dignidade humana pode exigir acções difíceis e moralmente complexas“.

Esta formulação é um reconhecimento de que a ética real é frequentemente complexa e cheia de dilemas.

Ser pacífico não implica necessariamente uma adesão ao pacifismo como filosofia de vida. Na verdade, o pacifismo estrito pode, em certas circunstâncias, ser uma posição moralmente insustentável. Por exemplo; quando confrontados com tiranias que comprometem a dignidade humana e a liberdade de milhões, a inacção ou a recusa em combater tal mal pode ser vista como uma abdicação da responsabilidade moral inata.

O ponto fulcral aqui é que a ética humanista oferece uma estrutura que permite uma análise cuidada e contextualizada de situações éticas complexas. Ela reconhece que, por vezes, o combate contra os inimigos da civilização pode ser não só justificável, mas um imperativo moral.

E é esta flexibilidade, este reconhecimento das zonas cinzentas da ética, que torna a alternativa humanista uma abordagem muito mais adaptada à complexidade do mundo em que vivemos.

7. “Não cometerás adultério”

Este mandamento, frequentemente visto como um dogma rígido sobre a moralidade sexual e a propriedade no contexto de relações amorosas, merece ser examinado sob uma luz mais humanista.

Se aceitarmos a premissa inicial de que relações humanas são complexas e dinâmicas, então esta instrução binária revela-se inadaptada, senão mesmo obsoleta, perante as nuances da complexa condição humana. A sua interpretação comum perpetua uma visão patriarcal e proprietária da intimidade, em detrimento de valores como a honestidade, a autonomia e o respeito mútuo.

E isto nos leva à questão: que alternativa mais progressista e humanista podemos então oferecer?

A Alternativa Humanista Secular: “Promove a Honestidade e a Autonomia, Não a Posse”.

A tradicional proibição contra o adultério deve dar lugar a um entendimento mais refinado das relações amorosas. No lugar de uma ética que sugira posse ou exclusividade, deveríamos promover uma ética fundamentada na honestidade, no consentimento informado e na valorização da autonomia individual.

As relações são, no seu melhor estado, uma interacção de indivíduos soberanos, unidos pela escolha consciente e não por um contrato forçado. Cada um deve ser livre para explorar, crescer e, sim, mudar, pois a autenticidade nas relações só pode florescer no solo fértil da liberdade pessoal e respeito mútuo.

Por isso, mudemos a antiquada e restrictiva ordem contra o adultério, por um apelo mais contemporâneo e humano; que a honestidade, o respeito e a autonomia sejam os novos pilares sobre os quais construímos as nossas relações, permitindo-nos viver de maneira mais plena, justa e satisfatória.

8. “Não furtarás”

Este mandamento, ao focar-se na proibição do furto, toca num princípio ético básico que é quase universalmente aceite, independentemente da religião ou cultura. Contudo, tal como outras regras que emanam de um contexto divino, a sua simplicidade esconde uma complexidade e nuances que a ética secular reconhece.

No fundo, esta regra convoca-nos a pensar mais profundamente sobre a propriedade, a justiça e a equidade, longe da esfera de um decreto divino que carece de tal introspecção. A sua formulação original não explicita o que constitui furto numa sociedade frequentemente estruturada por desigualdades gritantes, nem questiona se as regras de propriedade favorecem sempre o bem comum.

Assim, o que poderia ser uma alternativa mais humanista e socialmente consciente a este mandamento?

A Alternativa Humanista Secular: “Promove a Justiça Económica e Social em Vez de Fomentar a Apropriação Desigual”.

Em substituição ao mandamento que proíbe o furto, o humanismo oferece um enfoque mais abrangente e colorido, que considera não apenas o acto de tirar algo de alguém, mas também os sistemas que perpetuam a apropriação desigual e a injustiça económica.

O objectivo não deve ser simplesmente evitar o furto como um acto isolado, mas promover uma sociedade onde as oportunidades e recursos são mais equitativamente distribuídos.

A ética humanista encoraja-nos a questionar as estruturas de poder e propriedade que frequentemente criam as condições para o furto, e outras formas de injustiça. Ao invés de aceitar um princípio simples e descontextualizado, a preto e branco, tenta-se construir uma ética mais completa, uma que se preocupa não apenas com o comportamento individual, mas também com a criação de uma sociedade mais justa e equilibrada.

Assim, ao rejeitarmos a simplista noção de não furtarás, abrimos caminho para um imperativo mais significativo e transformador; trabalharmos colectivamente para reduzir a necessidade do furto através da promoção de uma justiça mais inclusiva e equitativa.

9. “Não darás falso testemunho”

O nono mandamento parece ecoar, novamente, um princípio básico da ética humana; a importância da verdade. No entanto, a sua formulação divina levanta questões fascinantes e, de certa forma, até paradoxais.

Se estivermos a tratar de um Deus omnisciente e omnipotente, seria razoável supor que seria Ele a entidade que controlaria a disseminação de informações falsas a seu respeito. E ainda, a história religiosa está repleta de contradições, interpretações divergentes e, sim, informações manifestamente falsas sobre a divindade.

Este mandamento, portanto, torna-se menos um testemunho da sacralidade da verdade do que uma reflexão sobre as limitações humanas em abordar o divino — ou talvez sobre as contradições internas de um sistema de crenças que necessita da fé, mas ainda valoriza a verdade.

A Alternativa Humanista Secular: “Defende a Verdade e a Integridade Intelectual”.

Longe das contradições e dos contextos específicos do dogma religioso, a verdade e a integridade intelectual continuam a ser virtudes fundamentais numa sociedade justa e bem informada. Ao invés de limitar a questão da verdade a cenários legais ou divinos, a ética humanista propõe uma visão mais expansiva. Valorizar a verdade não é simplesmente evitar mentiras; é um compromisso com o rigor intelectual, a honestidade nas nossas interacções e a coragem de corrigir tanto a nós mesmos quanto aos outros quando erramos.

Este princípio humanista compreende que a verdade não é um monólito imutável, mas uma busca contínua que requer o escrutínio rigoroso de evidências, a abertura a novas informações e a coragem de rever as nossas próprias posições.

Em suma, não se trata apenas de não dar falso testemunho, mas de cultivar uma relação activa e responsável com a verdade em todas as suas complexidades.

10. “Não cobiçarás”

Chegamos ao derradeiro último mandamento, um que parece investir contra a própria natureza humana ao criminalizar o pensamento, uma ofensiva ao livre-arbítrio que é quase orwelliana na sua audácia.

Não obstante, é precisamente neste mandamento que reside uma subtileza muitas vezes ignorada; a cobiça, longe de ser um pecado incontestável, é frequentemente o catalisador para a acção, a alavanca que move o mundo. É o desejo, a ambição e até a inveja que muitas vezes nos impelem a atingir novas alturas, a desafiar os limites estabelecidos e a aspirar a algo maior.

Assim, este mandamento não apenas ignora a complexidade da psique humana, mas também parece desconsiderar o papel positivo que a cobiça pode desempenhar na transformação social, na inovação e no progresso.

A Alternativa Humanista Secular: “Fomenta uma cultura de partilha e cooperação”.

No contexto humanista, o foco desloca-se da repressão da cobiça para a promoção de uma cultura mais cooperativa e altruísta. A ideia não é erradicar o desejo ou a ambição, mas canalizá-los de forma produtiva para o bem comum. O verdadeiro perigo não está em cobiçar, mas sim em permitir que essa cobiça se manifeste através do egoísmo, ganância ou exploração.

O humanismo convida-nos a transcender os aspectos mais mesquinhos da nossa natureza e a procurar uma existência mais enriquecedora, tanto para nós mesmos como para a comunidade à qual pertencemos. E é aqui que encontramos um princípio verdadeiramente elevado, um que celebra o potencial humano para a bondade, a razão e a colaboração.

Talvez este seja o nosso verdadeiro mandamento, um que nos empodera a ser os arquitectos das nossas próprias vidas, dentro de um quadro ético que valorize a dignidade humana acima de todas as coisas.


É aqui que a cortina se fecha e os actores se retiram para os bastidores. O que temos diante de nós é um drama de proporções épicas, uma tragicomédia divina que, contudo, não consegue eclipsar o potencial humano para a razão, a ética e a empatia.

No fim, talvez devamos considerar que, se estas tábuas de pedra foram realmente entalhadas pela mão de Deus, talvez tenha sido uma obra em rascunho, uma tentativa precoce, destinada a ser superada pelas realizações humanas.

Poder-se-ia dizer que não deve ter sido o melhor dia para o dono da Palavra.

Estamos, portanto, na posição única e privilegiada de repensar, reexaminar e, finalmente, redefinir os princípios que orientam a nossa existência. E neste exercício de reavaliação, tornamo-nos, cada um de nós, artesãos do nosso próprio destino, mestres do nosso próprio universo moral. Desvendando assim, talvez, um pouco daquilo que nos torna genuinamente únicos, mas nunca especiais.