
A compulsoriedade do amor, tão frequentemente propalada pelas doutrinas religiosas, é uma incongruência flagrante, um oxímoro que desafia os contornos da razão e do sentido comum. Este tipo de amor, que nos insta a amar o próximo como a nós mesmos, é mais do que uma impossibilidade prática; é uma exigência tirânica que se revela, à luz da análise crítica, um dos principais pilares do totalitarismo religioso.
Pedir a alguém para amar indiscriminadamente é como pedir a um pássaro para voar sem asas; não apenas desafia a biologia, mas também a lógica mais básica do comportamento humano.
É aqui que começa a digressão pela intrincada teia da escatologia religiosa, uma teia que envolve e constrange, que impõe as suas regras irrealistas e, por conseguinte, nos prepara para o inevitável fracasso. Este amor compulsório não é apenas impraticável; é intrinsecamente punitivo. Prepara-nos para falhar na execução de um ideal irrealizável e, depois, culpa-nos pelo falhanço.
Este ciclo autofágico de expectativa e punição é a quintessência da tirania espiritual.
E não é de estranhar que este conceito seja tão frequentemente utilizado para manter as rédeas curtas sobre os fiéis. Se até o mais nobre e poético dos sentimentos, o amor, pode ser manipulado e retorcido para servir uma agenda teocrática, então que esperança existe para as emoções e impulsos menos nobres da condição humana? Somos conduzidos a acreditar que se nem mesmo o amor escapa à deformação dogmática, então toda a nossa existência é, por definição, nefasta e pecaminosa.
Assim, entregamo-nos voluntariamente às algemas douradas da religião, tentando encontrar refúgio na única entidade que nos prometeu, desde o início, que falharíamos.
Mas este amor não é mais do que uma ilusão fabricada, um espelho distorcido que reflecte não o que somos, mas o que a religião deseja que sejamos. Não é um amor que nasce da liberdade de escolha, da capacidade humana de discernir e decidir, mas sim um amor imposto, obrigatório, que serve não ao bem-estar humano, mas à manutenção do poder eclesiástico.
O mantra de amar o inimigo e tolerar o intolerável é não apenas uma capitulação moral, mas também um perigoso abandono da responsabilidade cívica. Este tipo de amor perversamente distorcido cria uma espécie de vácuo ético, um espaço onde a maldade floresce incólume, blindada pela nossa reluctância em agir. Tal abdicação da nossa autonomia moral e ética é inadmissível, especialmente quando confrontados com forças que tentam minar os pilares da civilização e da racionalidade.
Fingir que podemos — ou devemos — amar aqueles que, dados os meios, nos subjugariam, aniquilariam ou condenariam à eterna perdição é não apenas um exercício em futilidade, mas também uma traição aos valores do humanismo. Amar o inimigo em tal contexto não é virtude; é auto-sabotagem, uma espécie de masoquismo ético que ignora o imperativo claro e urgente de defender o tecido da sociedade contra aqueles que o rasgariam sem hesitação. Em nome da clareza moral e da integridade ética, não devemos tolerar o intolerável. A tolerância tem os seus limites, e esses limites são definidos pelo nosso compromisso com a preservação e promoção dos valores que tornam a vida digna de ser vivida.
É crucial, então, que rejeitemos este paradigma de amor compulsório e reconheçamos o seu papel no edifício totalitário da fé. Ao fazê-lo, não só recuperamos a nossa autonomia emocional como também retiramos um dos tijolos fundamentais da estrutura opressiva que tantas religiões procuram erigir.
No seu lugar, podemos começar a construir uma compreensão mais genuína do amor, um amor que seja voluntário, que floresça na liberdade e se alimente da igualdade. E talvez, apenas talvez, esse seja o primeiro passo para desmantelar o totalitarismo escatológico que tantos procuram impor sobre nós, em nome de um amor que nunca o foi verdadeiramente.