Eulogia aos Deuses – Uma Reflexão Pessoal Sobre a Transitoriedade Divina


Tenho ponderado sobre o significado da existência humana há algum tempo – e não é verdade que todos nós o fazemos em algum momento da nossa vida? Estamos aqui nesta terra há milénios, então, se a nossa compreensão da pseudo-realidade depende da nossa própria perspectiva – o que é correto em termos filosóficos, na minha opinião – como seria o ponto de vista dos nossos antepassados? Homens e mulheres que pereceram há muito tempo, alguns em vão, outros heroicamente. Possuímos apenas algumas peças de história aqui e ali – algumas frases, alguns desenhos e alguns edifícios antigos megalómanos dedicados a deuses há muito esquecidos, agora mortos.

Onde se encontra o cemitério desses deuses todo-poderosos? Quem rega os seus sagrados locais de sepultamento, os seus sepulcros divinos? Houve uma altura, num passado distante, em que Júpiter reinava soberano entre os deuses, e qualquer homem que duvidasse da sua habilidade e influência era considerado bárbaro e ignorante. Mas onde há ainda hoje, no mundo, um devoto que adore Júpiter? E quanto a Huitzilopochtli? Num ano – e não há mais que 500 anos atrás, lembremo-nos – cinquenta mil jovens e donzelas foram sacrificados em seu nome. Hoje, se ele é lembrado de alguma forma, é apenas por algum eremita decrépito e insano, algures nas profundezas da floresta mexicana.

Huitzilopochtli, tal como muitos outros deuses, não teve um pai humano; a sua mãe era uma viúva virtuosa, intocável, e ele nasceu de uma relação aparentemente inocente que ela, a sua mãe, manteve com o próprio sol, uma bola de fogo de plasma quente algures no meio do nosso sistema solar. Quando Huitzilopochtli franzia a testa, o seu pai, o sol, parava. Quando ele rugia de raiva, terramotos engoliam cidades inteiras. Quando estava com sede, saciava-a com quarenta mil litros de sangue humano. No entanto, hoje em dia, Huitzilopochtli é tão magnificamente esquecido quanto qualquer outro deus outrora reverenciado. Antes, ao lado de Alá, Buda e Wotan, agora é apenas uma nota de rodapé em alguns livros escolares.

Ao mencionar Huitzilopochtli, é necessário lembrarmo-nos do seu irmão, Tezcatlipoca, que era quase tão poderoso quanto ele. Sabia, caro leitor, que ele exigia vinte e cinco mil virgens por ano? Onde está o seu túmulo, para que eu possa lamentar, adornar-me com um colar de pérolas, e banhar-me em azeite, em sua homenagem? Mas quem sabe onde é que eles se encontram? E onde estão os túmulos de Quetzalcoatl, Tialoc, Chalchihuitlicue, Xiehtecutli, Centeotl, o deus do milho e da fertilidade, Tlazolteotl, a deusa do amor, Mictlan, Ixtlilton, Omacatl, Yacatecutli, Mixcoatl, Xipe ou toda a hoste de Tzitzimimeh, as divindades femininas da fertilidade? Onde foram enterrados os seus ossos? Onde está o salgueiro onde eles penduravam as suas harpas celestiais? Em que triste e desconhecido inferno eles aguardam a ressurreição? Onde estão os túmulos desses poderosos deuses, como Dis, que César encontrou como o deus principal dos Celtas? E onde está o sepulcro de Tarves, o touro, ou de Moccos, o porco? Epona, a égua, também foi uma divindade importante. Será que os seus restos mortais foram devidamente preservados?

Não se preocupe no entanto, caro leitor, pois eles terão certamente companhia no esquecimento: o inferno dos deuses falecidos está tão sobrecarregado quanto o inferno cristão para as almas dos inocentes, ou o limbo para os nados-mortos que não foram baptizados. Damona, Esus, Drunemeton, Silvana, Dervones, Adsalluta, Deva, Belisama, Axona, Vintios, Taranuous, Sulis, entre outros, eram todos altamente influentes e respeitados no seu tempo, adorados por milhares, quiçá milhões, repletos de exigências e grotescas imposições, capazes de prender e libertar – todos eles deuses de primeira categoria, de topo. Homens trabalharam, geração após geração, com o intuito de erguer vastos templos em sua homenagem, alguns com pedras do tamanho de um autocarro moderno. O negócio que era a interpretação dos seus caprichos divinos, ocupava milhares de sacerdotes, magos, arquidiáconos, evangelistas e arúspices, bispos e arcebispos. Questioná-los significava enfrentar a morte, geralmente na fogueira, empalado ou decapitado. Exércitos lutaram em batalhas para defendê-los contra os infiéis; aldeias foram arrasadas, mulheres e crianças violadas e massacradas, e o gado levado. No entanto, no final, todos murcharam e morreram, e hoje não há ninguém tão pobre que lhes preste qualquer tipo de reverência. Pior ainda, os seus próprios túmulos estão perdidos, e assim até mesmo um estranho respeitoso é dissuadido de lhes prestar algum tipo de homenagem.

O que terá acontecido a Sutekh, outrora o deus principal de todo o vale do Nilo? E que dizer de Resheph, Baal, Anath, Astarte, Shalen, Dagon, Amon-Re, Melek, Osiris, Sebek, Molech, Anubis...? Todos eles foram, em algum momento, deuses de alta categoria e de estirpe real e fantástica. Muitos são mencionados com medo e tremor no próprio Antigo Testamento. Na verdade, há cerca de cinco ou seis mil anos, equiparavam-se a Yahweh; o pior deles estava acima de Thor. No entanto, foram todos esquecidos juntamente com outros deuses.

Gwydion, Manawyddan, Arianrod, Odin, Sokk-mimi, Memetona, Ogma, Rigantona, Marte, Júpiter, Ceros, Vaticanus, Cunina, Statilinus, Diana de Éfeso, Plutão, Saturno, Furrina, Cronos, U-ki, Dauke, Nin, Perséfone, Istar, Vénus, Lagas, Samas, Nirig, Aku, Apsu, Kaawanu, Mami, Zaraqu, Allatu, Zagaga, Ueras…

Não se esqueça dos nomes acima mencionados, deuses de grande estatuto e dignidade em civilizações passadas, adorados e venerados por milhões. Teoricamente omnipotentes, omniscientes e imortais.

Hoje, estão mortos, todos eles.